07 January 2011

Mulherzinha Tati Bernardi

Ligo antes das cinco pra não parecer que ele é a última opção da
minha agenda. Dou três opções de restaurante e ele escolhe logo a
primeira. Combino de passar umas oito e meia, mando uma mensagem
quando estiver na esquina. Aviso que vou atrasar dez minutos. Embico
na garagem pra ele não tomar chuva. Pergunto se o ar condicionado está
muito forte. Dirijo com uma mão no volante e outra na perna dele.
Elogio que ele aparou um pouco a barba, coisa que ele adora pois fui a
única a reparar.
O manobrista do restaurante abre primeiro a porta dele. Se assusta
que é um homem onde eu deveria estar sentada. Entrega o papel do
estacionamento pra mim, contrariado, enquanto meu parceiro já está bem
distante. Escolho fumante pra agradá-lo mas por sorte sou informada
que essas mesas não existem mais. Digo a ele que tudo bem, podemos
ficar no frio, na parte de fora. Ele diz que ELE não está a fim de
sentir frio e topa não fumar. Eu chamo o garçom e digo que para mim
carne e para ele salmão. Eu escolho a taça de vinho dele, eu não vou
beber porque estou dirigindo. Eu pego na mão dele, depois da taça
estar quase no final, e pergunto se ele não quer ver a linda vista da
minha sacada. Ele sufoca um bocejo charmoso e diz que sim.
O garçom entrega a conta pra ele, que aperta os olhos pra enxergar
com a lente embaçada. Eu ofereço ajuda pra ver os números e numa
agilidade impressionante enfio meu cartão ali dentro e faço a carteira
de couro desaparecer da mesa. Incluindo o ticket do estacionamento.
Ele está com frio e ofereço meu cachecol novo. Ele elogia o perfume e
continua com frio. Entendo que são duas aberturas para o abraço. O
carro chega e a porta dele já está aberta pelo manobrista, a minha eu
mesmo abro com dificuldade porque os carros tiram a maior fina do meu
corpinho congelado. Morro de vergonha que o carro está com cheiro
ruim, pra variar, o manobrista sacaneou. Abro os vidros e não digo
nada pra não ser rude.
Coloco música baixinha pra gente falar baixinho. Paro na farmácia
pra comprar camisinha mas dou a desculpa que é um antigripal qualquer.
Ele faz que acredita e espera dentro do carro comportadinho e
sorrindo. O cara do caixa quer me lançar um olhar mas na hora tem medo
de me encarar. Acendo as velas novas que ganhei. Coloco minha estrela
azul na tomada que dá o clima perfeito. O cd novo do Beck. Ele está
nervoso, comentando sem parar das minhas fotos e livros e cortinas. Eu
faço ele parar de falar finalmente. Depois de tudo, ofereço levá-lo e
me faço de ofendida quando ele cogita um taxi. Ele pergunta se pode
dormir comigo, eu apenas sorrio e apago a luz. Ele acende a luz e

pergunta se pode ligar pra avisar uma pessoa. Ele liga pra mãe, que
não gosta muito. Ele volta envergonhado pra cama. Mas eu, educada,
finjo que já estou dormindo.
No dia seguinte eu ligo pra dar bom dia. Ele me avisa que vai
viajar no feriado. Eu pergunto com quem e ele diz que aí já estou
querendo saber demais. Ele volta a ser homem. Eu desligo e, aliviada,
choro como uma mulherzinha.

1 comment:

  1. Existem muitos desses por aí. Não dá a mínima para a companhia que só quer ser amada.
    Abraço

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